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Abordar a vitamina D

  • Foto do escritor: Marta Temporão
    Marta Temporão
  • 29 de jun. de 2018
  • 5 min de leitura

Várias notícias avançam que elevada percentagem de portugueses carece de vitamina D. A “vitamina D” é destacada em vários debates e fóruns, sendo que a importância da mesma tem vindo a ser cada vez mais estudada. Mas afinal de contas, o que se sabe sobre esta vitamina?


Fontes e funções

Em primeiro lugar, a vitamina D pode ser obtida pelas seguintes vias sob formas estrutural e funcionalmente idênticas (Filho e Melamed, 2013; Guyton e Hall, 2011):

  • Vitamina D2 (ergocalciferol) por ingestão (dieta ou suplementos alimentares);

  • Vitamina D3 (colecalciferol) por síntese endógena induzida por luz solar na pele.

Uma vez que poucos alimentos são naturalmente ricos em vitamina D, na ausência de exposição diária à luz solar (a sua principal fonte) a possibilidade de carência é maior (Filho e Melamed, 2013; Marques et al., 2010).

Tal condição pode traduzir-se em implicações significativas, tendo em conta as diversas funções associadas à vitamina D (Filho e Melamed, 2013; Marques et al., 2010;):

  • Ajuda a controlar a deposição de cálcio nos ossos, contribuindo para o seu normal crescimento;

  • Estimula a (re)absorção de cálcio pelo tubo gastrointestinal e rins;

  • Interage com o sistema imunológico através da interação com as paratiroides, os rins e os intestinos;

  • Regula a proliferação, diferenciação e a apoptose celular em muitas células normais e cancerígenas.

Porém, ambas as formas de vitamina D são biologicamente inertes, não sendo, em si, a substância ativa que realmente produz os efeitos mencionados. Na verdade, é necessário que a vitamina D seja convertida no produto final ativo, calcitrol (1,25-diidroxicolecalciferol ou 1,25(OH)2-D), através de uma série de reações no fígado e no rim (Guyton e Hall, 2011).


Processamento biológico

O processo biológico principal inicia-se com a conversão de 7-dehidrocolesterol em colecalciferol na epiderme pela radiação solar ultravioleta B. Segue-se a transformação de colecalciferol em 25-hidroxicolecalciferol (25(OH)D) no fígado, uma etapa controlada por um mecanismo de feedback negativo. Tal regulação possibilita armazenar a vitamina D no fígado para necessidades futuras (durante muitos meses), visto que, uma vez convertida, ela só permanece no organismo algumas semanas. Por fim, nos túbulos proximais dos rins ocorre a conversão de 25(OH)D em calcitrol, a forma biologicamente mais ativa de vitamina D (Filho e Melamed, 2013; Guyton e Hall, 2011).

A síntese renal de calcitrol é uma etapa fortemente regulada pelos níveis séricos de cálcio e da hormona da paratiroide (PTH), dada a potente atividade do calcitrol na homeostasia do cálcio. Este funciona como uma "hormona" que potencia a formação da proteína de ligação do cálcio nas células epiteliais intestinais. Esta proteína permanece nas células durante várias semanas após a remoção do calciferol do organismo, causando um efeito prolongado sobre a absorção intestinal de cálcio. Por conseguinte, quando a concentração plasmática de cálcio está muito elevada, a formação de calciferol reduz-se acentuadamente (Filho e Melamed, 2013; Guyton e Hall, 2011).


(Filho e Melamed, 2013).

(Filho e Melamed, 2013).


Implicações da carência de vitamina D para a saúde

A mensuração da vitamina D sérica deve ser feita pela avaliação da concentração de 25(OH)D, cuja meia-vida é de cerca de 2 semanas. Para além de a sua semi-vida ser apenas de 4 horas, a forma ativa da vitamina (calciferol) não deve ser usada como forma de avaliação, visto que existe um aumento da secreção de PTH em caso de carência de maneira a estimular o rim a produzir mais calciferol (Borges, 2014; Marques et al., 2010). Apesar de não existir consenso sobre os valores séricos ideais, sabe-se que devem ser mantidos valores que não induzam o aumento de PTH (Marques el al., 2010).

Estudos indicam que a maior parte da população canadiana, norte-americana e europeia carecem de vitamina D, independentemente do seu género, faixa etária e localização geográfica (Borges, 2014). É o resultado de múltiplos fatores, como sejam:

  • compromisso na disponibilidade (quer seja pela dieta, quer seja pela exposição solar);

  • problema(s) hepático(s) ou renal(ais);

  • alguma insensibilidade ou resistência ao metabolismo desta vitamina ;

  • efeito colateral de algum medicamento (Borges, 2014; Marques et al., 2010).


A suspeita de hipovitaminose D pode começar com o surgimento de:

  • letargia;

  • fraqueza muscular proximal e dor óssea;

  • e, concentrações séricas baixas de cálcio e fosfato e/ou cálcio urinário baixo (Ferreira, 2013).


A carência de vitamina D acarreta um impacto negativo para a saúde, começando a nível do metabolismo ósseo e mineral com o aumento do risco de fraturas ósseas. Outras implicações surgem a nível do desenvolvimento de doenças endocrinometabólicas, como sejam a diabetes mellitus, esclerose múltipla (EM), doença inflamatória intestinal, lúpus eritematoso sistémico (LES), artrite reumatoide (AR) e hipertensão arterial (HTA). A hipovitaminose D influencia também as doenças do humor e cancros (Borges, 2014; Marques et al., 2010).

  • Sistema musculosquelético – vários estudos relacionam a carência da vitamina D com a diminuição da força e da massa muscular, com alterações no equilíbrio e, consequentemente, com o aumento da incidência de quedas. Reportou-se também que a terapia de curta duração com vitamina D e cálcio reduz o número de quedas e permite uma melhoria do equilíbrio corporal, representada pela diminuição da oscilação postural (Pedrosa e Castro, 2005).

  • Obesidade – pensa-se que a relação entre hipovitaminose D e obesidade ocorra por acumulação de vitamina D nos tecidos adiposos, induzindo ativação hipotalámica para aumentar a sensação de fome e a diminuição do gasto energético (Borges, 2014).

  • Lúpus Eritematoso Sistémico – verificou-se uma maior prevalência de deficiência de vitamina D em pacientes com LES, quando comparados com indivíduos com outras doenças reumatológicas ou saudáveis. Os fatores de risco têm que ver com a pouca exposição solar dada a fotossensibilidade e as lesões cutâneas presentes na doença. Por outro lado, o uso regular de corticosteroides e de hidroxicloroquina parece alterar o metabolismo da vitamina D, apesar de não ser clara a relação. Assim, a suplementação de vitamina D nesses indivíduos deve ser indicada (Borges, 2014, Marques et al., 2010).

  • Artrite reumatoide – acredita-se que a reposta imunológica é exacerbada quando existe carência de vitamina D. Estudos relatam que a suplementação de vitamina D previne ou retarda a progressão de AR, aliviando os sintomas da doença (Marques et al., 2010).

  • Esclerose múltipla – estudos demonstram que a suplementação de vitamina D estimula a produção de citocinas anti-inflamatórias, bem como reduz os episódios de recaída. Assim, bons níveis de vitamina D parecem prevenir o aparecimento e lentificar a progressão de EM (Borges, 2014, Marques et al., 2010).

  • Lesão Renal Crónica (LRC) – vários estudos epidemiológicos abordam a importância da vitamina D, que foi associada a uma diminuição da mortalidade de pacientes com LRC independentemente do seu estado dialítico. Por outro lado, um estudo com hemodialisados mostrou que estes apresentam níveis de Vitamina D baixos e a terapia com suplementação reduziu a necessidade do uso de eritropoietina. Embora o mecanismo dessa resposta não seja claro, parece relacionar-se com a expressão de recetores da Vitamina D em células da medula óssea, favorecendo a eritropoiese. Outro estudo num grupo deste género constatou uma diminuição de cálcio, fósforo, paratormona, marcadores inflamatórios e do índice de massa ventricular esquerdo, após suplementação com Vitamina D (Borges, 2014; Filho e Melamed, 2013).

  • Hiperparatireoidismo – importante evento decorrente da deficiência da vitamina D, sendo que doentes renais estão mais propensos a tal. Estudos concluíram que a suplementação com Vitamina D, num grupo de doentes renais, auxiliou a reduzir o desenvolvimento de hiperparatireoidismo secundário (Borges, 2014).

A reposição ou prevenção da hipovitaminose D é questionável, mas a exposição solar pode ser suficiente, desde que mantenham os cuidados solares. Os valores de referência também não são consensuais, pelo que mais estudos são necessários para a sua determinação, assim como para explorar mais os efeitos da vitamina D no corpo humano (Borges, 2014; Marques et al., 2010).




Referências bibliográficas:

Borges, J. (2014). Suplementação com vitamina D: uma revisão sistemática. Salvador. Universidade Federal da Bahia: Faculdade de Medicina da Bahia. CDU – 577.161.2

Ferreira, A. (2013). Vitamina D. (Tese de Mestrado, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra). http://hdl.handle.net/10316/32959

Guyton, A.; Hall, J. (2011). Tratado de Fisiologia Médica. Ed 12. Elsevier. ISBN- 9788535254785

Marques, C.; Dantas, A.; Fragoso, T.; Duarte, A. (2010). A importância dos níveis de vitamina D nas doenças autoimunes. Rev Bras Reumatol. Vol 50, nº1, pp 67-80.

Melamed, M.; Filho, A. (2013). Vitamina D e doença renal. O que nós sabemos e o que nós não sabemos. J. Bras Nefrol. Vol 35, nº4, pp. 323-331. DOI: 10.5935/0101-2800.20130051

Pedrosa, M.; Castro, M. (2005). Papel da vitamina D na função neuro-muscular. Arq Bras Endocrinol Metab. Vol 49, nº 4, pp 495-502

 
 
 

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