O impacto do trabalho por turnos
- Marta Temporão
- 10 de mai. de 2020
- 4 min de leitura
Em setembro de 2019 enumeraram-se 835 mil pessoas a trabalhar por turnos em Portugal (Pinto, 2019). Consideram-se os trabalhadores por turnos aqueles que não têm um horário regular, durante o dia, como sejam os enfermeiros, os polícias, os transportadores comerciais, entre outros (Drake).
A estes trabalhadores estão associados muitos riscos, constituindo os distúrbios de sono e a sonolência excessiva os mais frequentes (Drake; Griffin, 2010).
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (DSM V), o distúrbio de trabalho por turnos é um tipo de distúrbio de sono-vigília relacionado com o ritmo circadiano (APA, 2014). Este é basicamente um relógio interno de 24 horas controlado pelo cérebro, que funciona em ciclos regulares entre sono e estado de alerta e afeta o comportamento do organismo e a função fisiológica, ou seja, tem impacto no sistema cardiovascular, renal, entre outros (Sorensen, Maloney, Pillow & Mark, 2020).
O distúrbio de trabalho por turnos caracteriza-se por queixas de insónia e/ou sonolência excessiva e persistente, para aqueles que trabalham fora da janela normal (8 às 18h), em horários regulares (isto é, sem horas extras) (APA, 2014; Drake).
Sonolência ou fadiga no local de trabalho pode levar a baixa concentração, dificuldades de raciocínio e memória, baixo desempenho, absentismo, acidentes, erros, lesões e fatalidades (Drake; Peri, 2014).
O facto de terem que estar acordados por mais tempo ou não terem um padrão de sono, fá-los lutar contra o seu ritmo biológico. Assim, a quebra no ritmo circadiano afeta a forma como o corpo funciona a nível sistémico (Griffin, 2010).
Consequentemente, é maior o risco de desenvolverem doenças cardíacas, problemas gástricos, úlceras, depressão, diabetes, obesidade, problemas de líbido e fertilidade e até mesmo o risco de acidentes (Deng et. al, 2018; Drake; Griffin, 2010; Khan et al., 2019; Peri, 2014).
Curiosamente, um estudo muito recente demonstra que o sistema circadiano se desenvolve desde o estado fetal e é modulado pelos ritmos circadianos maternos. Isto significa que grávidas que façam trabalho por turnos e/ou tenham distúrbios do sono podem afetar o desenvolvimento do ritmo circadiano do feto/embrião, com repercussões no seu sistema endócrino e possivelmente na sua saúde após o nascimento. Este é um facto importante que apelo à consideração em políticas laborais. (Sorensen, Maloney, Pillow & Mark, 2020).
Para além disso, afeta-lhes também a vida pessoal e social e tem impacto no seu estilo de vida e dos seus próximos. De acordo com Scheer, um reconhecido neurocientista, os trabalhadores por turnos podem sentir-se mais isolados, quando os seus trabalhos limitam o contacto com os seus familiares e amigos; pode ser difícil praticarem exercício físico regularmente, e podem ter tendência a comer comida menos saudável (Griffin, 2010).
Algumas estratégias podem ser úteis na minimização do impacto do trabalho por turnos, visando diminuir a sonolência laboral, melhorar o sono fora do trabalho, e consequentemente reduzir o risco de desenvolver problemas de saúde e aumentar a produtividade.
Estratégias a aplicar durante o turno:
Fazer curtas pausas durante o turno;
Trabalhar com outras pessoas ajuda a manter-se alerta;
Tentar ser ativo durante as pausas laborais (ex.: caminhada);
Beber bebidas com cafeína (como café ou chá) que ajudam a manter o estado de alerta durante o turno, mas evitar cafeína e nicotina nas últimas horas do turno para não prejudicar o descanso pós-laboral (Drake, d’Ettorre & Pellicani, 2020);
Não deixar as tarefas mais aborrecidas para a parte final do turno, dado ser mais provável a sensação de cansaço (Drake);
Comer o suficiente para se manter confortável durante o turno (d’Ettorre & Pellicani, 2020);
Fixar uma rotina - embora seja difícil, algumas empresas poderiam tentar fixar horários, de forma mais estável, em vez de turnos rotativos e, ainda, reduzir os turnos, e ter horários programados para a sesta (Griffin, 2010).
Para alguns trabalhadores noturnos, as sestas (menos de 30 minutos) podem ajudar a aliviar o cansaço e, assim evitar as suas consequências (Drake, d’Ettorre & Pellicani, 2020).
Certo é que alguns empregadores podem não permitir a realização de sestas ou terem em consideração turnos mais estáveis. Porém, devem estar conscientes que este problema afeta os trabalhadores e que isso tem consequências na produtividade.
Algumas dicas para melhorar o sono após o trabalho:
Usar óculos de sol para bloquear a luz solar no caminho para casa;
Evitar longas viagens casa-trabalho;
Manter o mesmo horário de deitar e acordar, mesmo aos fins-de-semana;
Eliminar a possível perturbação do sono por ruído ou luz (por exemplo, usando máscaras para olhos ou tampões para os ouvidos);
Na hora de descansar, evitar bebidas com cafeína;
Evitar o consumo de álcool, pois embora aumente o sono inicialmente, o desenvolvimento de tolerância pode rapidamente causar distúrbios (Drake, Griffin, 2010);
Praticar uma alimentação saudável e exercício físico regularmente (Griffin, 2010).
O tratamento para a perturbação de sono é limitado, podendo alguns medicamentos ajudar a aliviar os sintomas. Alguma evidência demonstra que o corpo pode nunca se adaptar ao trabalho por turnos, especialmente se as trocas forem frequentes (Drake).
Em suma, a adoção das estratégias supramencionadas depende do setor de atividade e também das políticas empresariais. Contudo, há estratégias fora do local de trabalho que podem ser adotadas pelo trabalhador e vão ajudar a melhorar a saúde física e mental. A perceção deste problema e a adoção de medidas para o mitigar, quer por parte do decisor das políticas laborais, quer pelo colaborador, são importantes para o aumento da sua qualidade de vida, o que se pode refletir na produtividade laboral.
Referencias bibliográficas:
American Psychiatric Association [APA]. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtorno DSM-5. Porto Alegre: Artmed. xliv, 948. ISBN 978-85-8271-088-3
d’Ettorre G, Pellicani V. (2020). Preventing Shift Work Disorder in Shift Health-care Workers. Safety and Health at Work. https://doi.org/10.1016/j.shaw.2020.03.007
Deng, N., MPhil, T., Lipshultz, L., Pastuszak, A. (2018). The Relationship Between Shift Work and Men’s Health. Sexual Medicine Reviews. https://doi.org/10.1016/j.sxmr.2017.11.009
Drake, C. Shift Work and Sleep. Sleepfoundation. https://www.sleepfoundation.org/articles/shift-work-and-sleep
Griffin, M. (2010). The Health Risks of Shift Work. WebMD. https://www.webmd.com/sleep-disorders/features/shift-work#1
Khan, W., Conduit, R., Kennedy, G., Jackson, M. (2019). The relationship between shift-work, sleep, and mental health among paramedics in Australia. Sleep Health. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2352721819302645
Peri, C. (2014). Sleep Loss: 10 Surprising Effects.WebMD https://www.webmd.com/sleep-disorders/features/10-results-sleep-loss#1
Pinto, P. (2019, Dec 8). Mais de 800 mil pessoas trabalham por turnos em Portugal. JN: Portuguese Edition. https://www.jn.pt/economia/mais-de-800-mil-pessoas-trabalham-por-turnos-em-portugal-11594835.html
Sorensen, N.; Maloney, S.; Pillow, J.; Mark, P. (2020). Endocrine consequences of circadian rhythm disruption in early life. Current Opinion in Endocrine and Metabolic Research. https://doi.org/10.1016/j.coemr.2020.02.001
コメント